Que sociedade estamos construindo

por Johnny Bernardo*

Apesar de inegáveis avanços científicos, tecnológicos, culturais, a sociedade contemporânea ainda possuí resquícios primitivos e bárbaros. Vivemos a era dos extremos (posterior a do historiador Hobsbawm), dos posicionamentos políticos, ideológicos, científicos, que tem resultados ambíguos, diferenciados, contraditórios. Em análise sobre a “Laicidade do Estado” (cuja frase principal teve menção no Gnotícias) demonstramos que o mundo “caminha para teocracias, estados confessionais e um crescente fanatismo religioso”. O prognóstico, que tem como base observações em países islâmicos, onde Religião e Estado se confundem, se mesclam no debate público, se estende a todas as regiões do mundo, e particularmente à porção norte do hemisfério.

Não obstante alguns aspectos negativos da prática religiosa – particularmente quando analisamos grupos localizados, extremistas, que orbitam em torno de premissas políticas, ideológicas, que se sobrepõem ao secular, aos direitos constitucionais – a religião é um fator cultural, parte das sociedades primitivas, que inegavelmente tem contribuído com a construção de uma sociedade melhor, humanizadora, participativa. Seria impossível ao homem viver alheio a uma divindade, a uma crença, a uma tradição religiosa dada a sua necessidade de respostas, de apoio espiritual, de pertencimento. É uma questão indiscutível do ponto de vista sociológico, antropológico, histórico. Somos seres religiosos, que compartilhamos experiências e crenças pautadas em nossa doutrina.

Por outro lado, há uma inegável crise de identidade em alguns países de maioria cristã, dada a influência (diria militante) de grupos que recorrem a termos chulos, a rotulações de personagens históricos, a lideranças acadêmicas, a postulações intelectuais. É comum o uso de princípios de Maquiavel – particularmente da conclusão de que os “fins justificam os meios” – na guerra contra os opositores, contra os inimigos. Justificam-se ditaduras como “necessárias ao nivelamento social”, a torturadores como exemplos de “ética política, ideológica”, a justiceiros que clamam por “linchamento dos malandros, dos marginaizinhos”, aos defensores do “rebaixamento do papel feminino no meio social”, ao ex-espião repaginado, contextual, que possui interesses conflitantes.

Que exemplo grupos extremistas dão à sociedade, aos 95% de cristãos cuja fé é pautada pela compreensão, pelo compartilhar? Um posicionamento correto deveria ser o da balança, a do aproveitamento do que temos de positivo na sociedade. Em entrevista ao jornal Nosso Tempo, do Rio de Janeiro, sobre a polêmica em torno do suicídio, fui perguntado sobre as razões que levam grupos religiosos a suicídios coletivos. Nossa resposta foi  no sentido de que o suicídio coletivo é parte da chamada “programação” que movimentos destrutivos promovem sobre adeptos. Neste sentido, o “direcionamento” é um dos principais motivos da histeria sectária, destrutiva, que corrompe as estruturas da humanidade, do núcleo familiar.

Um dos grandes problemas de alguns países islâmicos – a exemplo da Arábia Saudita e do Irã – é a tentativa de “imposição” do credo religioso a totalidade da população, do mesclar Estado e Religião, em um sistema teocrático que remete aos tempos antigos. É daí que surgem os extremismos, quando não se consegue distinguir o Estado da Religião, o Sagrado do Secular, o Meu do Outro. Dado os exemplos – e a crucificação de cristãos é um exemplo de extremismo – oriundos do universo islâmico, há de se pensar o Ocidente, da maneira como a sociedade ocidental deve se posicionar em questões não somente religiosas, mas também políticas. Pensando no Brasil, em nosso contexto cultural, político e religioso, há exemplos de extremismo, de imposição ideológica e religiosa, que nos faz refletir sobre os erros dos estados teocráticos. Que imagem estamos construindo? 

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*Johnny Bernardo é jornalista, pesquisador da religiosidade brasileira e das relações entre religião e sociedade, administrador do blog de entrevistas Somos Progressistas e do grupo Cristãos Progressistas.

Contato: pesquisasreligiosas@gmail.com